Descreva-se, a título de exemplo, o
serão de uma família moderna:
A mãe e o pai sentam-se nos sofás da
sala, habituados desde a infância ao serão de família reunida numa só divisão.
Têm a televisão acesa e ora vêm com atenção o que nela se passa, comento
ocasionalmente, ora dormitam meia hora, cansados do dia de trabalho. Os filhos,
cada um em seu quarto. O mais velho com auscultadores e música alta nos
ouvidos, recostado na cama com o portátil ao colo, completamente desligado do
mundo à sua volta. Navega entre a internet e os trabalhos e pesquisas que tem
em mãos. O mais novo, livre de quaisquer trabalhos de casa, feitos durante a
tarde na explicação, espreguiça-se no tapete do chão do quarto, olhos vidrados
no jogo electrónico que tem entre mãos. Um presente do Natal que passou.
Neste quadro familiar, algo salta
imediatamente à atenção. Cada um dos quatro membros desta família se encontra
no seu próprio mundo. Com e entre os filhos não existe qualquer tipo de
comunicação. Os pais, apesar de mostrarem ainda uma pequena réstia de interacção,
uma melhoria em relação aos filhos, passam a maior parte do serão sem que
comunicação verdadeira passe entre eles. Melhoram porque estão na mesma divisão
e na companhia um do outro, mas a atenção de ambos encontra-se focada na caixa
de imagens que têm à frente.
Esta crescente separação que se vê, até
entre os membros de uma mesma família, supostamente o ambiente em que o ser
humano mais se relaciona com os seus companheiros, não é mais que o resultado
de uma sociedade consumista e alienada de si mesma.
Karl Marx afirma que existe uma crescente
alienação do trabalho causada pela separação que existe entre o operário e o
que ele produz. Fazendo parte apenas de uma fase da criação do objecto, e não
participando na totalidade da sua criação, desde a sua ideia à concepção o
“trabalhador relaciona-se ao produto do seu trabalho como a um objecto estranho”.
Isto acontece devido à crescente necessidade de poder económico e bens
materiais que a sociedade tem. Este método de produção é mais compatível com os
interesses monetários das empresas, e por isso, os trabalhadores pouco podem
fazer que não seja submeter-se a ele. São escravos do trabalho e dos objectos.
Mas só o são, porque a sociedade materialista em que vivem, assim o exige, por
isso, os trabalhadores não são mais que escravos da sociedade e de si mesmos.
Porque na sociedade actual é
“impossível” viver sem electrodomésticos, televisões, computadores e telemóveis.
Estes bens, depressa passam de luxo a “necessidades”. São quase postos no mesmo
patamar que as necessidades verdadeiramente básicas como comer e dormir.
Nascemos dentro dos cubículos a que chamamos casas, neles vivemos, e neles morremos.
Longe vai o contacto com a natureza, e mais triste ainda, com os outros seres
humanos. Porque os objectos que nos tornam escravos no trabalho, também nos
tornam escravos no dia-a-dia. Afinal de contas, não estão os pais a ver
televisão, e os filhos, cada um em seu quarto, completamente alienados uns dos
outros?
É esse o resultado de uma sociedade
consumista. Somos escravos do consumo dia e noite, no trabalho e nas horas de
lazer.