“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem
como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha mas sim sob aquelas
com que se defrontam directamente, legadas e transmitidas pelo passado.”
[1]
Podemos verificar isso mesmo, ao
longo de todos os séculos.
Façamos deste meu texto tão pouco
interessante, uma máquina do tempo e recuemos até aos séculos XVI, XVII e
XVIII, durante os quais predominou, na Europa, o Absolutismo. O culminar de um
processo já iniciado na Idade Média (passado), que significou o fracasso da
Nobreza e o sucesso da monarquia; a afirmação do soberano, que se dizia
"Homem especial" porque o seu poder lhe era transmitido directamente
por Deus (e não por ser filho de realeza, que era filha de realeza, que era
filha de realeza e por ai em diante - o tal legado que nos é transmitido pelo
passado - não, vossa alteza era escolhida por Deus e a doutrina sustentava que o
seu direito de governar derivava da vontade de Deus, e não de qualquer
autoridade temporal ou qualquer testamento) e do poder que este tinha sobre os
seus súbditos. A Igreja e o Estado caminhavam lado a lado,
"de mãos dadas": o político usava o sagrado e o sagrado usava o
político. Se era proibido na ordem religiosa, também o era na civil. Daí a
expressão "A união Trono e Altar".
Reflictamos.
Trono. Altar. (des)União. Poder. Deus.
Soberano. Súbditos. Vontade. Proibido. Absoluto. Sistema. Ideologia.
Peguemos naquela última palavra.
Ideologia.
Ideologia
(in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) s. f. i·de·o·lo·gi·a
(ideo- + -logia) substantivo feminino; ciência da formação das
ideias. Tratado sobre as faculdades intelectuais. Conjunto de ideias,
convicções e princípios filosóficos, sociais, políticos que caracterizam o
pensamento de um indivíduo, grupo, movimento, época, sociedade (ex.: ideologia
política). [2]
Segundo Karl Marx, a Ideologia é a
consciência que cada um tem da realidade. É portanto uma ilusão, uma consciência
sempre falsa, já que depende das condições materiais e variáveis da vida; o
material é que determina a consciência. Qualquer relação com a realidade é de
falsidade, de distorção. Eis o conceito de Ideologia de Marx, que assume a
relatividade da percepção que temos em relação ao que nos rodeia e aparece como
concepção idealista na qual a realidade é invertida e as ideias aparecem como
motor da vida real. "(...) No marxismo posterior a Marx, sobretudo na obra
de Lenine, ganha um outro sentido, bastante diferente: ideologia é qualquer
concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses de certas classes
sociais particulares."[3]
"(...) ideologia é o
conjunto das concepções, ideias, representações, teorias, que se orientam para
a estabilização, ou legitimação, ou reprodução da ordem estabelecida [Já
utopias,] (...) são aquelas ideias, representações e teorias que aspiram uma
outra realidade, uma realidade ainda inexistente." [3]
Portanto, a Ideologia age mascarando
a realidade, originando a sua inversão ou a camuflagem, para os ideais
ou interesses da classe dominante.
Assim, funcionou o sistema
Absolutista. Servindo os interesses da classe dominante (Rei/Nobreza) e
ocultando a realidade. A perspectiva e o modo de ver as coisas, não era
encarado pela sociedade como falso. A falsa consciência está sempre mesmo
"à frente dos nossos olhos", mas escondida. Uma das características
daquilo que é ideológico é ser natural aos nossos olhos, não o sendo realmente.
Ou seja, a ideologia disfarça-se de natural, mas é tudo menos natural.
Nós estamos constantemente a
confundir o que está numa camada natural (que é necessário) com o que está na
camada cultural (que é arbitrário, discutível). Para as pessoas dos séculos XVI,
XVII e XVIII, era "natural" aquele poder divino do rei, a perseguição
da igreja, o Deus-todo-poderoso, o castigo divino, a dedicação (ou
"obsessão") religiosa, etc. Quando na verdade tudo isso fazia parte
da camada cultural, sendo assim arbitrário e não necessário. Fazia
parte das regras culturais, era "normal".
Regressemos ao presente, nesta nossa
máquina do tempo. Aqui e agora a questão é: Estaremos confundidos? O ser humano
não muda. Mudaram-se os tempos mas os pensamentos mantiveram-se os mesmos. Será
que vivemos numa situação assim tão diferente daquela que se viveu à séculos
atrás? Pensemos.
E se quisermos, faremos uma visita
ao futuro. Mas isso ficará para mais tarde. Numa próxima viagem.
Aqui e agora, reflictamos.
"Até
agora, os homens formaram sempre ideias falsas sobre si mesmos, sobre aquilo
que são ou deveriam ser. Organizaram as suas relações mútuas em função das
representações de Deus, do homem normal, etc., que aceitavam. Estes produtos do
seu cérebro acabaram por os dominar; apesar de criadores, inclinaram-se perante
as suas próprias criações. Libertemo-los portanto das quimeras, das ideias, dos
dogmas, dos seres imaginários cujo jugo os faz degenerar. Revoltemo-nos contra
o império dessas ideias. Ensinemos os homens a substituir essas ilusões por
pensamentos que correspondam à essência do homem, afirma um; a ter perante elas
uma atitude crítica, afirma outro; a tirá-las da cabeça, diz um terceiro e a
realidade existente desaparecerá." [4]
Referências:
[1]
MARX, Karl, O 18 Brumário de Louis
Bonaparte, São Paulo: Escriba, 1987, p.15
[2]"ideologia", in
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/ideologia
[3]
LOWY, Michael, Ideologia e ciência
social, São Paulo: Cortez, 1985, p. 12 e 13
[4] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich, A Ideologia Alemã, 3ª edição, São Paulo:
Wmf Martins Fontes, 1974, prefácio