domingo, 24 de novembro de 2013

A mensagem escondida do objecto

Após a leitura do texto O Novo Citroen de Roland Barthes, na minha cabeça ficaram imediatamente retidas duas ideias fundamentais: o impacto e a grande adesão que novo modelo D.S. teve junto das pessoas, levando o autor a compara-lo com as maravilhosas catedrais góticas e ao fantástico submarino de Júlio Verne; e também, numa perspectiva mais pessoal, a importância do desenvolver um design estratégico, capaz de transformar conceitos em objectos úteis e benéficos para a sociedade.


Quando Barthes associa o Citroen às catedrais góticas, à arquitectura monumental que simbolizava o poder religioso junto dos povos da época, não o compara apenas na sua dimensão física de construção, representada pelos enormes arcos em ogiva e abóbadas de cruzaria ou pelas estruturas verticais que proporcionam um ambiente mais leve e iluminado. Barthes procurava sim a simbologia escondida e equivalente que ligavam estes dois 'objectos'.
A iluminação (uma das características mais importantes da arquitectura gótica através de vitrais lindíssimos), para além do seu objectivo básico de dar luz, escondia uma mensagem mais forte, ligada a uma atmosfera mística que transmitia entre os fieis visões do Paraíso, sensações de purificação e fortalecimento da fé cristã, em suma: uma proximidade entre o Homem (dimensão espiritual) e Deus (dimensão transcendente).
Esta dimensão espiritual, mística, é transportada por Barthes para o Citroen quando diz "O novo Citroen cai manifestamente do céu, na medida em que se apresenta, antes de mais, como um objecto superlativo. É preciso não esquecer que o objecto é o melhor mensageiro do sobrenatural (...) um silêncio que pertence à ordem do maravilhoso."


Por sua vez, o novo Nautilus, leva o autor mais longe nas suas comparações. Porque se primeiro fala de uma dimensão mística associada ao modelo D.S. (que em francês, foneticamente, lê-se déesse: deusa); agora, numa alusão à obra Vingt Mille Lieues Sous les Mers de Júlio Verne, reforça o lançamento do automóvel numa visão futurista, num objecto invulgar, diferente de todos os outros: como se pertence-se a outro universo. Para Verne, era um objecto completamente autónomo do meio terrestre, movido exclusivamente a electricidade que permitia a toda a tripulação sobreviver apenas com o que o mar lhes dava: alimentação e matéria prima para navegar. Para Barthes, "Há na D.S. o esboço de uma nova fenomenologia do ajustamento, como se se passasse de um mundo de elementos soldados a um mundo de elementos justapostos, que se aguentam pela virtude exclusiva da sua forma maravilhosa, o que bem entendido, constitui uma introdução à ideia de uma natureza mais fácil."


A música, para mim, tem uma força brutal, capaz de agregar estas duas ideias. Pois através dela podemo-nos relacionar espiritualmente e ao mesmo tempo levar a nossa imaginação para um lugar mágico e desconhecido. 



Num tom ainda conclusivo, deixo uma reflexão que me acompanha já durante uns tempos: será que estes valores e estas mensagens não deveriam estar sempre presentes como estratégias de produção de qualquer objecto, ou será que a sociedade de hoje já está tão habituada ao fútil  e ao desnecessário que não consegue ver uma saída responsável e benéfica a longo prazo? Parece-me que cada vez mais se pensa em contornos egoístas/individuais, de objectivos imediatos do quando se pensavam nestes valores e no que isso significavam para uma sociedade e para a sua evolução futura.