domingo, 24 de novembro de 2013

A Marca Da Reprodução

O cinema apenas é possível porque a sua reprodução é possível. Este dela nasceu e não o contrário. A reprodução de um filme é aquilo que permite a sua existência logo à partida, devido ao nível elevado dos custos da sua produção- por isso são normalmente direccionados para as massas. Dificilmente alguém terá dinheiro para comprar um filme como tem para comprar uma pintura. É a sua reprodução que o sustenta fazendo-o capaz de chegar a grandes massas. Mas ao mesmo tempo que é habitualmente feito para as grandes massas, poderá acontecer deixar-se ser definido por elas. Tendo, portanto, a necessidade de atender a certos critérios.

 Segundo Walter Benjamin  para o cinema é mais importante que o actor se apresente perante a câmara a si próprio do que perante o publico como outrem.  O actor representa para uma serie de equipamentos e é sujeito a vários testes para uma só acção. Podemos afirmar até que é mais importante parecer credível do que propriamente identificar-se com o seu papel. Apesar do actor representar com a totalidade da sua pessoa, existe uma ausência da sua aura, que implica o aqui e agora; o próprio momento em que a representação é feita. Pirandello sentia essa ausência e para ele era um grande desgosto a sua realidade lhe ser proibida. A sua representação era ausente porque era simplesmente uma repetição de um momento. O actor de cinema não se vê reflectido num publico presente mas apresenta-se sim para máquinas que servem como intermediárias. Assim, não lhe é mais pedido um confronto com a realidade, dando-lhe todas as oportunidades para ser o produto que pretendem ele que seja.

Ser privado da realidade passou de ser um desconforto - analogamente ao sentimento de Pirandello - para hoje ser desejado. Acontece que somos ingénuos relativamente ao efeito significativo que as coisas têm sobre a nossa formação. Também muitas pessoas são hoje o resultado de repetições. Produtos que fazem de si mesmas para agradar à maioria, a mesma maioria que resulta dos meios de comunicação; os mesmos meios de comunicação que resultam da maioria. Assim é este circulo vicioso. Aumenta a necessidade de sermos nós mesmos uma reprodução da sociedade, que se insere na perfeição nos seus padrões. A vida acaba por ser um processo mecanizado encaminhado por um guião; ninguém é obrigado a pensar por si quando podem simplesmente ser a reprodução dos pensamentos de outras pessoas. Não só menos pessoas vão ao teatro como cada vez menos pessoas são como o teatro. Cada vez menos são aqueles que se identificam com o seu papel, que vivem o aqui e o agora sem intermediários e que se apresentam ao público. A autenticidade de um indivíduo é cada vez mais desvalorizada e menor é o seu testemunho. Seria de pensar que sendo nós todos reproduções haveria uma maior proximidade, mas esta na verdade seria ilusória: o facto de sermos todos reproduções afasta-nos por completo do que é a autenticidade; de sermos e necessitarmos de ser seres únicos e insubstituíveis.

É impossível adquirir qualquer tipo de proximidade entre indivíduos se a própria essência está tão longe de cada um, no entanto, a necessidade de estar inserido no ideal de uma sociedade fala mais alto.