segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Realidade Irreal

O cinema, cada vez mais, busca interessar-se por temas do quotidiano. Mais concretamente pela vida de supostos sujeitos 'normais', como quem diz que o que se encontra representado naquela hora e meia podia acontecer a qualquer um de nós.

No mundo das comédias românticas, temos o homem que acaba por dizer as palavras certas, numa sequência pensada, como se fosse algo comum; e a mulher que acaba por se render, apesar de ser mostrada como uma pessoa forte e que merece ser valorizada simplesmente pelos minutos fantasiosos e românticos que ela passou com o homem ao longo do filme. 

Com base no que já foi mencionado, confrontei-me com uma situação entre um casal adolescente, em que foi perceptível que a mente da rapariga se encontrava um quanto moldada pela fantasia cinematográfica. A situação assistida consistiu na rapariga a dizer que não devia ser assim, que ele devia dar-lhe valor, prestar-lhe mais atenção, entre outras semelhantes coisas, e o rapaz a dizer que não percebia o que tinha feito de mal. Nisto continuei caminho e afastei-me. Quando regressei, ainda estavam a discutir, e pelo meio ouvi uma referência a um filme, uma comparação entre a relação deles e a projectada numa produção cinematográfica.

O que me ficou na cabeça foram as duas coisas: a indignação dela por ter falta de atenção por parte do seu cônjuge e o facto de ter mencionado um filme como se fosse uma verdade universal da nossa realidade. O facto de ela ter dito que precisava de mais atenção e ele ter tido a paciência para ficar quase uma hora a ouvir o como devia ser tendo como base o cinema, nota-se a discrepância entre a realidade e a fantasia, pois paciência e atenção já lhe dá o rapaz mas não da forma singularmente fantasiosa que ela imaginou. A comparação com o filme tornou óbvio a esperança dela de ter um romance como o das personagens fictícias, ao invés de ter um com base na dimensão em que nós vivemos. Tal como Horkheimer e Adorno sumarizam: "A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção quotidiana, tornou-se norma de produção."1

No dia-a-dia, a sociedade é cada vez mais influenciada pela realidade alterada, planeada, limpa e escrita representada nos ecrãs. Ao basearmo-nos numa selecção de momentos a que se resume um filme, parece-nos que a vida podia ser mais interessante, ou mais romântica, em vez de estimarmos os vários momentos que presenciamos no nosso quotidiano. O cinema cada vez mais não deixa o espectador tomar o seu lugar de espectador livre, prende-o com semelhanças ao quotidiano tornando a linha que separa o fictício do real muito ténue; por outras palavras, e por palavras de outros: "Ultrapassando de longe o teatro de ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual estes possam, sem perder o fio, passear e divagar no quadro da obra fílmica permanecendo, no entanto, livres do controlo de seus dados exactos, e é assim precisamente que o filme adestra o espectador entregue a ele para se identificar imediatamente com a realidade."1



1 Horkheimer, M.; Adorno, T. (1947) 'Indústria cultural. O Iluminismo como Mistificação das Massas'