sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A Mulher (Naturalmente) Independente

Jane Austen, Simone de Beauvoir, Coco Chanel, Maya Angelou, Hillary Clinton, Oprah Winfrey, Ashley Judd, Malala Yousafzai... e poderia continuar a enumerar muitos outros nomes, muitos deles desconhecidos, que juntos definem um crescente movimento de mulheres que se tornaram mulheres chamado feminismo.

Em 1963, Betty Friedan criticou a ideia de que as mulheres poderiam encontrar satisfação apenas através da criação dos filhos e das actividades do lar no seu livro “A Mística Feminina”.

Seria natural, há uns tempos, que as mulheres fossem sustentadas, encarregadas de determinadas tarefas naturais que incluíam a reprodução, a lida da casa, a cozinha e a educação dos filhos, descartando tudo o resto que lhes havia sido concedido por Deus. Para além de ventre e seios, as mulheres sempre tiveram cérebro, mas como seria natural utilizarem somente ventre e seios para benefício da família, tarefa que lhe havia sido incumbida pelo homem, e porque a força e a mentalidade da sociedade residia no género masculino, toda a naturalidade do pensar, do escolher, do decidir não era natural.

Porém, há uma diferença entre natural e ideológico. Seria natural a mulher respeitar determinados assuntos sociais, determinadas atitudes, posturas, comportamentos que definem a sua sexualidade, de preferência submissos às ideias do homem. Mas as questões de género que se disfarçam do que parece natural são apenas ideológicas. O que é natural, isso sim, é que as mulheres, “privadas de lazeres, herdeiras de uma tradição de submissão, comecem a desenvolver um sentido político e social”, como refere Simone de Beauvoir.

E então a mulher “deixa de ser um parasita”. “O sistema baseado na sua dependência desmorona; entre o universo e ela não há mais necessidade de um mediador masculino.” O que pode traduzir-se na libertação feminina, liberdade que é ainda hoje um direito questionado em certas culturas.

As reivindicações femininas dos séculos passado podem ter-se virado ligeiramente contra as suas próprias reivindicadoras, na medida em que ambicionaram ser capazes de aguentar tudo, e declarando-se em pé de igualdade com os homens, podem ter-se sobrecarregado e tornado incapazes de carregar o fardo de todas as árduas tarefas, inclusive a maternidade. Mas nada é em vão, quando o destino é a liberdade. Na constante mudança e evolução dos dias de hoje, o tráfico humano, e de mulheres corrói a sociedade. Ainda há muito a fazer. Mas ainda envoltas pelo medo e a opressão, hoje, assistimos a discursos de mulheres que parecem não ter medo, uma delas, Malala.

“Os extremistas têm medo de livros e de canetas, o poder da educação assusta-os. Eles têm medo das mulheres."

Recentemente tomei conhecimento de um projecto online chamado “Everyday Sexism Project” que tem como objectivo catalogar casos de sexismo vividos pelas mulheres diariamente. A descrição diz:

“Desde situações graves, não tão graves, escandalosamente ofensivas ou tão corriqueiras e intrínsecas na nossa cultura contra as quais nem se sentem capazes de protestar. Usem o vosso nome, ou um pseudónimo. Ao partilharem a vossa história estão a mostrar ao mundo que o sexismo existe mesmo, que é vivenciado por mulheres todos os dias e é um assunto importante e válido a discutir.”

Devo salientar que algumas histórias relatadas neste website sujeito a verificação são chocantes, para não mencionar o número de posts de relatos de mulheres que não tentando vitimizar-se, relatam honestamente o que é, em parte, ser mulher.

Com exemplos destes, com correntes e manifestações feministas recorrentes e até com uma cultura pop em grande parte feita de figuras de mulheres independentes que apelam sem limites ao feminismo, a mulher dos dias de hoje sente-se já apoiada, ainda que injustiçada.

Um dos muitos exemplos é o do serviço militar e da questão da diferença de género aqui bem presente. É frequentemente argumentado – e aceite – que as mulheres são o “sexo frágil” e que, sendo as principais prestadoras de cuidados na sociedade, são menos agressivas que os homens. Fossem-lhes dados os direitos apropriados e completos, não poderiam as mulheres contrabalançar um mundo dominado pelos homens, caracterizado pela agressão em atitudes, pensamentos, sociedade e, em última análise, a guerra?

Em 2004, as tropas de ocupação no Iraque foram notícia em todo o mundo por exercerem tortura e outros actos grotescos em prisioneiros iraquianos. Mas para espanto e choque das feministas e de outros, alguns destes actos foram perpetrados por mulheres nas forças armadas dos EUA.

A activista feminista Barbara Ehrenreich relata algumas reacções a esta matéria.

“Esperei que a presença de mulheres no Exército dos EUA mudasse o exército ao longo do tempo, tornando-se mais respeitoso com as outras pessoas e culturas.”

“Um certo tipo de feminismo viu os homens como os responsáveis perpétuos, as mulheres como vítimas perpétuas e violência sexual masculina contra as mulheres como a raiz de toda injustiça. A violação tem sido repetidamente um instrumento de guerra. Parecia haver pelo menos alguma evidência de que o sadismo sexual masculino estava ligado à propensão para a violência trágica da nossa espécie. Isso foi antes de termos visto o sadismo sexual feminino em acção.”

“A suposição (dentro do feminismo) da superioridade (das mulheres) sobre os homens, ou pelo menos de uma menor inclinação para a crueldade e violência, não era assunto sujeito a debate. Afinal, as mulheres fazem a maioria do actividades de assistência na nossa cultura, e nas pesquisas são sempre menos inclinadas para a guerra do que os homens.”

“Precisamos de um feminismo que ensina a mulher a dizer não, e não apenas ao date-rapist ou ao namorado excessivamente insistente mas, quando necessário, ao exército ou hierarquia da empresa dentro da qual ela se encontra.”

E assim, as mulheres lutam para ter direito de fazer o que os homens fazem, mas se o que os homens fazem é visto como negativo, então a igualdade de género não é suficiente. Ehrenreich termina:

“Citando um velho, e longe de ser ingénuo, ditado feminista: "Se achas que a igualdade é o objetivo, os teus padrões são muito baixos." Não é o suficiente ser igual aos homens, quando os homens estão a agir como animais.”


É natural ser-se uma mulher independente? Ainda não. Não quando esta independência já conquistada por alguns milhões de mulheres tem à sua volta os outros muitos milhões de mulheres dependentes de quaisquer factores que as excluam ou denigram, e os outros muitos milhões de homens que apenas agem “naturalmente”.