terça-feira, 19 de novembro de 2013

Incorporação e publicidade


No seu estudo das ideologias, Fiske analisa as noções de resistência, incorporação e hegemonia que descrevem o ciclo de contaminação e apropriação de comportamentos e ideias, à partida características de determinadas subculturas que resistem à ideologia hegemonica, pelas classes e ideologias dominantes.
Exemplo deste conceito são os produtos que as empresas de telecomunicações têm vindo a lançar nos últimos anos,  que visam públicos muito restritos, nomeadamente delimitados por idades.
O que oferecem varia pouco, tendo sempre como promessa a possibilidade de mais por menos, de mais comunicação, com mais gente, pelos mais variados meios possíveis (aplicações, rede télemovel etc) a um custo sempre mais baixo. Mas o produto em si passa quase despercebido ao lado das campanhas monumentais empreendidas para o vender.
Não é segredo que na sociedade capitalista do consumo a melhor maneira de vender um produto não é  fazer uma listagem dos seus atributos mais inovadores e pertinentes, mas sim vender uma ideia de estilo de vida, de cultura, que está por trás.
Com a acentuação de uma vivência virtualizada na sociedade contemporanea, as gerações mais recentes têm à disposição o mundo à distância de um click, de um ecrã de computador, a vida real perde interesse face ao alcance da vida digital que promove uma falsa sensação de entendimento e experiência do mundo real. Esta perda de interesse na experiência em primeira mão reflete-se também numa existência quase passiva, indiferente, na condição de cidadãos, de elementos de uma comunidade, existe uma “resistência” na medida em que existe uma fuga a certos deveres ou até uma tentativa de não conformismo com a “ideologia dominante”.
Se as empresas de telecomonicação procuram ganhar o interesse destas gerações, são estas ideias de desinteresse, de resitência, que vão associar aos seus produtos.
Fiske dá o exemplo da revista seventeen, mas o mesmo podemos dizer destas campanhas, sendo a mais recente a da marca WTF, da Optimus, cujo produto pretende tirar importância aos meios de comunicação da “ideologia dominante” (a simples chamada ou troca de mensagens pela rede telefónica), focando os meios da “subcultura” em questão, a geração virtualizada, tais como as redes sociais.
A campanha vai buscar os próprios protagonistas da “subcultura” indiferente para serem o centro do movimento cujo nome (WTF) é mais uma incorporação de uma expressão corrente e habitual do mundo virtual destas gerações, que transmite o carácter nonsense e de luta contra o status quo característicos da geração em questão, representados na campanha.
Estes protagonistas são os chamados “celebridades de youtube” cujos videos amadores se tornaram virais a uma dada altura muitas vezes por razões mais negativas do que positivas. Nos próprios videos de promoção da marca, estes intervenientes mostram comportamentos e atitudes próprios, idiosioncráticos, e pouco ou nenhum interesse no produto em si.
Como Fiske refere “se se pretende que esta página (no nosso caso, campanha) apele convenientemente aos leitores a quem se dirige, ela deve conter alguns sinais da sua posição social oposicionista paralelamente à voz da ideologia dominante. Sem estas contradições, muitos dos leitores visados poderiam não ser reconhecer como seus destinatários”.
A própria imagem identitária é construida com recurso a soluções estílisticas que remetem para esta resistência, cores pouco usais que entram em conflito em vez de se completarem, imagens pixelizadas, com pouca resolução, uma fonte com uma personalidade pouco definida etc. Todos estes recursos ignoram as “verdades fundamentais” (se é que estas existem) do design gráfico enquanto meio de comunicação.
No seu ensaio The Cult of Ugly, Steven Heller discute como o “feio” pode ser uma ferramenta de comunicação muito forte para fazer passar uma mensagem a um determinhado público, no entanto adverte para a utilização meramente estilística destes recursos por entidades alheias à sua criação, despindo aquilo que antes fora uma arma de uma subcultura, uma marca de anti-conformismo, de qualquer conceito ou resistência, passando a ser apenas uma moda, a isto chama-se incorporação.