domingo, 29 de dezembro de 2013

ui

Nunca se viu um livro de desenho na secção de auto-ajuda.
Não se quer com isto dizer que deva haver livros de desenho em dita secção mas de que maneira não é o desenho uma postura perante a vida?
E não, o pretendido não é a cura emocional do "indivíduo amargurado" que deixa bem claro naquilo que faz que dói muito (pouco).

Desenhar é um exercício de extrema violência porque, acima de tudo, requer extrema atenção.
Numa era onde tudo anda em todo lado excepto na terra, não há nada mais violento do que prestar atenção. Francis Bacon dizia que pintava o mundo.
Não será o desenho o exercício mais verdadeiro?
Isto é, não será o desenho a maneira mais atenta de olhar o mundo?
Saussure estudou a maneira como a linguagem, a fala e a cultura se relacionavam. Estudou a dicotomia entre significante e significado.
Em que medida é que o desenho se relaciona com isto? O desenho é em si mesmo uma linguagem, mas muito diferente da das letras.
Acima de tudo o desenho acaba logo com o significante e o significado, um desenhador atento não dá nome ao objecto que tem na frente - isto é redutor.
O desenho não dá nome à forma nem ideia à forma. Uma roda de bicicleta deixa de ser uma roda de bicicleta - agora não é nada, é aquilo, aquele conjunto de formas(sem nome) que se relacionam e vivem entre si.
Se o desenhador der um nome àquilo que tem na frente está a reduzi-lo à ideia correspondente ao nome atribuído. Deste modo não está a captar o objecto na sua essência.

Mas de que modo é que isto colocaria o desenho na secção de auto-ajuda. Porque é que quando um exercício de desenho "corre bem" é terapeutico?
Kant falava no númeno, os gregos falavam no bem.
De uma maneira um pouco infantil e ingénua não será a postura no desenho uma tentativa de atingir o mundo da ideias ao invés de ficar preso no mundo das sombras?
Não será o processo de não atribuir designação também o processo da douta ignorância?
Desenhar acaba por ser terapeutico porque é uma epifania.
Naquele momento, aquele "monstro" de que era impossível fugir, deixou de ser monstro, passou a ser tudo e devolveu aquilo que lhe tinha sido dado.
Como não foi um nome, deu-se de volta inteiro.