“A que Arte esteve reservado um sonho,
que... fosse, em simultâneo, poético e real? Considerado de tal ponto de vista,
o cinema representaria um meio de expressão absolutamente incomparável e, na
sua atmosfera, só poderiam mover-se pessoas de pensamento muito nobre, em
momentos de total perfeição e mistério do trajecto da sua vida.”
Séverin-Mars
Muitos julgam ter sido
perdida muita reflexão vã em torno da questão da fotografia enquanto arte e,
consequentemente, da questão do cinema enquanto arte. A realidade é que esta
problemática pode ser posta
noutros termos para uma melhor compreensão: Será que a arte contemporânea se
tornou fotográfica? Depois da invenção da fotografia, que deu lugar ao cinema,
o carácter global da Arte parece ter mudado e, como tal, não é possível julgar
a Arte nos mesmos termos que eram válidos até à altura.
Walter Benjamin, em “A
Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica”, expõe um interessante paralelismo entre
o Teatro e o Cinema, enunciando em que pontos é que estas duas manifestações
artísticas divergem. Considerando o teatro como uma manifestação artística mais
fidedigna, real e pura na sua essência temporal e espacial, Benjamin diferencia
o Actor de Teatro do Actor de Cinema. Uma das conclusões principais da sua reflexão
é que o Cinema não pode ser considerado uma arte que assente no valor de Culto
uma vez que o Actor, ao contrario do Actor de Teatro, actua com a sua
totalidade de pessoa mas sem a sua Aura (o Aqui e o Agora que o Teatro proporciona).
Apesar da perda da Aura
do Actor, e da personagem que representa, não considero que tal postulado
retire ao Cinema o seu estatuto de expressão artística. Acredito que desde que
o cinema se capitalizou, os interesses comerciais se sobrepuseram aos
interesses culturais e o “culto da estrela” se instalou que ele se traiu a si
mesmo, perdendo muito do seu valor cultural e artístico.
Porque é que penso assim?
Há uns tempos para cá que decidi que deveria alargar a minha cultura
cinematográfica. Foi com este pensamento que peguei numa das muitas listas dos
melhores filmes de sempre e comecei a fazer uma selecção. Citizen Kane, Psycho e A
Desaparecida foram os primeiros que quis ver. Comecei pelo Citizen Kane, aparentemente considerado
o segundo melhor filme de sempre depois do
Vertigo. Depois de os ver comecei a associá-los a outros já vistos como O Terceiro Homem, o Cinema Paraíso etc. O que todos estes filmes têm em comum é uma
preocupação estética muito forte e sensível e uma dimensão humana ausente na
grande maioria dos filmes da actualidade.
A capacidade dos
actores (e realizadores) de transmitir emoções e sensações, como a nostalgia
tão presente em Cinema Paraíso, foi
substituída pelos efeitos especiais e excesso de grafismo em cenas violentas. A
preocupação com os cenários e jogos de luz nas filmagens, incríveis na sua
materialização em O Terceiro Homem, foi
substituída por maquetas pré-feitas. Os filmes lentos em que podíamos apreciar
a naturalidade do movimento e o desenvolvimento do raciocínio e da emoção
humana, como A Janela Indiscreta,
foram substituídos por filmes com cenas rápidas e cheias de acção que garantem
a concentração do espectador. Também toda a grande dimensão do cinema é perdida
com a “mania” de ver filmes em pequenos ecrãs como o dos computadores.
Creio que o Cinema
tem vindo a perder o seu estatuto enquanto Arte desde que se tornou uma
industria e se afastou do seu primeiro propósito, uma exploração Artística. A
realidade é que esta Industria produz uma quantidade absurda de filmes, sem
qualquer tipo de qualidade no enredo ou preocupação estética e intelectual só
para entreter a população nos domingos de chuva.