Não é raro encontrar um destes filmes a passar na televisão de sábado à tarde: aqui o homem é o protagonista, que lidera a acção acompanhado de outros homens com quem vai discutindo os eventos da sua vida. É comum também que nele existam papéis desempenhados por actrizes. No entanto, a norma é que estes papéis apoiem apenas o papel masculino, servindo de mera «muleta» ao seu retrato e às suas vivências. Os «rapazes» fazem um churrasco - e que fariam eles senão um churrasco, ou outra actividade que, numa visão distorcida, prejudicial e também ela injusta confirmasse a sua masculinidade perante os espectadores? Enquanto isso, no pequeno tempo de antena que lhes é permitido, as suas mulheres são vistas a conversar sobre assuntos fúteis, enquanto assistem ao espectáculo de "homens a serem homens".
Face a alguns destes filmes, e não tendo outros parâmetros pelos quais se guiar, uma pessoa ingénua e impressionável poderia pensar que a mulher não passa de um acessório à existência do homem - alguém que o procura conquistar, deslocando-se prontamente e voluntariamente para um plano secundário no qual permanece atraente, desinteressante, e nunca demasiado incómoda. É claro que aqui se fala dos produtos de Hollywood - no circuito alternativo a realidade é outra, e não se verifica tão marcadamente esta tendência.
Laura Mulvey diz que "o prazer do olhar foi fracturado entre activo / masculino e passivo / feminino", resultado de uma sociedade de desigualdades entre sexos (Mulvey, 1975). Exemplos desta noção são claramente os produtos de Hollywood. Numa entrevista ao The New Yorker (Friend, 2011), a actriz de comédia Anna Faris revela o sexismo que sente existir na indústria cinematográfica. Através das observações que faz desta indústria, Faris transmite mensagens importantes acerca do papel da mulher no cinema actual. Embora o artigo mencionado fale sobre uma indústria e não sobre a sociedade em si, e a indústria cinematográfica parecer desempenhar um papel que é ao mesmo tempo poderoso e trivial, o artigo revela aspectos impressionantes sobre a forma sexista como a mulher é tratada, mencionada e desempenhada enquanto papel. Faris menciona que uma argumentista bem sucedida diz:
"Tens de a arrasar no começo. É algo consciente que faço - abuso-a e destroço-a, dispo-a da sua dignidade, e depois ela consegue viver as nossas fantasias e divertir-se. É tão simples como fazer a rapariga chorar aos quinze minutos do filme. A habilidade de nos relacionarmos com ela baseia-se na vulnerabilidade, que cria empatia."
Se seria já perturbador ter sido um homem o autor das frases anteriores, o quão doentio é elas terem sido ditas por uma mulher? Neste cenário, é mostrado que a personagem feminina não pode ter poder ou confiança em si mesma sem que seja destroçada - para relembrar aos espectadores que é humilde e conhece o seu lugar enquanto mulher. Para além disso, existe a ideia de que uma mulher só poderá inspirar empatia a partir do momento em que o seu humor e comportamento agradem aos outros. É assim que se torna normal, enquanto mulher, a crítica a si própria - quer a um nível físico quer a um nível intelectual. Uma mulher que valorize publicamente a sua imagem ou intelecto - ou se glorifique de qualquer forma - é vista como alguém pouco modesto e, a um último nível, alguém que não provoca qualquer empatia. Essa valorização deve então, sem excepção, vir do exterior. A aprovação do outro torna-se fundamental para que ela se aprove a si mesma, já que parece impensável e de todo correcto ou aceitável que ela se aceite a si mesma e possua confiança nas suas habilidades. Essas características devem estar, claro, reservadas ao homem.
De volta ao universo cinematográfico, tomei conhecimento da existência de um teste que pretende examinar filmes de acordo com o sexismo nele presente. O Bechdel Test foi criado em 1985 por Alison Bechdel e Liz Wallace, e é composto por três perguntas: O filme contém duas ou mais personagens femininas que têm nomes? Estas personagens falam entre si? E, se for esse o caso, falam sobre algo que não seja um homem? Será um boa ideia, em forma de resolução para o novo ano, certificar-me de que vejo apenas filmes que passem neste teste; numa sociedade já sexista, é certo que não precisamos de uma indústria cinematográfica que vinca e mantém vivas estas noções.
Referências:
- Friend, T. (2011), Annals of Comedy 'Funny Like a Guy' The New Yorker, 11 de Abril, p. 52.
- Mulvey, L. (1975) "Visual Pleasure and Narrative Cinema" Screen, vol. 16 (Autumn), p. 16. Tradução de João Paulo Queiroz. Acedido em 2013-12-26. Disponível em URL: <http://textos.ueuo.com/mulvey.pdf>