A alternativa ter versus ser não é apelativa para o senso comum. Ter, ao que parece, é uma função normal da vida: para viver necessitamos de ter coisas. Mais do que isso, temos de ter coisas para podermos usufruí-las. Numa cultura em que o objectivo supremo é o ter – e ter cada vez mais – e na qual é usual dizer-se de alguém «ele vale um milhão» como poderá existir uma alternativa entre ter e ser? Pelo contrário, pareceria normal que a própria essência de ser fosse o ter: quem não tem nada não é ninguém.1
Numa altura do ano em que as lojas se enchem de enfeites e
luzes coloridas e todos correm até ao último minuto para comprar presentes, é
pertinente questionar a importância de ter.
Toda a nossa existência gira à volta do ter coisas, de
possuir, e, muitas vezes, mostrar que as temos. Esta roda-viva de comprar - deitar
fora - comprar é característica da sociedade consumista em que vivemos; se
antigamente, no século dezanove, aquilo que se tinha era tratado, cuidado e
utilizado até ao limite da sua utilidade, hoje em dia já nada se preserva,
deita-se fora e compra-se um novo, de preferência o último modelo. Claro que se
prende também com o facto de as ofertas no mercado serem cada vez mais, novos
produtos serem lançados todos os dias e serem feitos com o objectivo de durarem
pouco. Mas isto não explica o porquê de se estar sempre a adquirir coisas.
O ter parte da
natureza da propriedade privada. A posse é única, exclui os outros, se eu
adquiri é meu e tenho direito sobre ele. Esta característica contribui para um
afastamento cada vez maior, fechando o indivíduo consigo mesmo e os seus
objectos. O ter cada vez mais e o querer ter sempre mais faz com que os
objectos adquiram uma importância que não têm. As posses começam a definir
aquilo que uma pessoa é, e desta forma os objectos apoderam-se da vida.
Agora que se aproxima o final do ano, todos fazem as suas
resoluções para o que aí vem. E se 2013 não lhes deu o que queriam, esperam que
2014 seja generoso. Tocam as doze badaladas e enquanto comem as passas pensam “em
2014 quero ter a carta de condução, ah, e já agora um carro”, “a ver se compro
aquele telemóvel que o meu já está mesmo velhinho”. Damos por nós a dizer “quero
ter isto e aquilo”, e onde fica o ser
no meio disso tudo? Quando é que vamos deixar de pensar naquilo que “temos” de
ter para pensarmos naquilo que somos?
O ter está preso
ao mundo material, às coisas físicas; o ser
parte das experiências humanas e é, portanto, ‘indescritível’1. Tal como Marx
defendia, o objectivo deve definir-se como: ser muito e não ter muito.
Embora seja difícil ser neste mundo consumista em que as
posses definem uma pessoa, que as resoluções para o ano que aí vem não passem
pelo ter, mas sim que sigam o
objectivo de Marx, pois ser é único e
original (não há dois seres humanos iguais).
1 Fromm, Erich (1999). Ter ou Ser?. Lisboa: Editorial Presença