segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A ideologia do salto alto

A ideologia é um conceito que sempre suscitou um grande interesse aos filósofos e pensadores de cada época. Ao analisar a teoria de Louis Althusser (1919/1990) sobre a ideologia, John Fiske (1939) utiliza os saltos altos, símbolo irrefutável do poder feminino, para exemplificar o poder que a ideologia exerce sobre a mulher, de uma forma incrivelmente subtil. A seu ver este objecto, ao acentuar as formas consideradas “atraentes” pela sociedade, coloca o sexo feminino submetido ao masculino, pois esta seria uma tentativa de agradar, de obediência ao que é imposto pelo poder superior (que seriam os homens), exaltado pelo desequilíbrio e dor que pode causar. Assim, a mulher estaria a reforçar a ideia que o sexo masculino é mais forte, mais poderoso e por isso superior e que a feminilidade é frágil e passiva.
A verdade é que esta teoria foi escrita por um homem, que provavelmente nunca calçou uns saltos altos e que não sabe bem o que eles significam. Pois bem esta é, exatamente, uma teoria e que pode ser contraposta. O que Fiske não se lembrou de sublinhar é que os saltos altos foram utilizados, nos seus primórdios, tanto por homens como por mulheres. Um modelo primitivo de saltos altos figura em murais do antigo Egito, datados de 3500 a.C., e mesmo os Gregos os utilizavam nas suas peças de teatro para representar diferentes classes sociais, consoante a sua altura. É a Catarina Médici, casada com Henrique II de França, que está atribuída a “invenção” deste modelo, mas foi Luis XIV de França que os tornou verdadeiramente populares, associando-os ao luxo e ao poder. A verdade é que é isso que o salto alto simboliza: poder.
Uma mulher calça uns sapatos de salto alto e sente logo o poder que este emana. Sim, exalta os padrões de beleza impostos pela sociedade ideológica e sim, faz uma grande distinção entre o sexo masculino e o feminino, mas não pela sua fragilidade. Pelo contrário, os saltos altos enfatizam o poder que a beleza de uma mulher exerce sobre o homem, a forma como a aparência física e a beleza consegue levá-lo a submeter-se completamente. A verdade é que a aparente fragilidade é uma arma secreta da mulher, que os homens, na sua robustez e deselegância, admiram e procuram.

Apesar de ser uma ferramenta cujo poder vem, irrefutavelmente, da ideologia, o salto alto não é uma submissão da mulher perante o homem. É uma forma de autoestima, da exaltação de um poder que só o sexo feminino consegue controlar.