domingo, 29 de dezembro de 2013

O culto industrial ao pai natal


O natal é, nas sua mais básica assunção, a festividade que celebra o dia simbólico, do nascimento de jesus, na fé cristã é celebrado a 25 de dezembro. Diversas tradições marcam esta festa, mas poucas são as que fazem jus ao verdadeiro significado deste dia, já que a maioria não passa de uma construção cultural, fruto da sociedade capitalista.

Segundo Adam Gopnik, no seu artigo para a revista "The New Yorker" foi o ilustrador americano , mas de origem alemã, Thomas Nast quem deu o primeiro passo para a construção do pai natal que conhecemos hoje.
Gopnik refere o ilustrador enquanto um dos muitos imigrantes da Europa Central que levaram para os Estados Unidos a cultura folclórica que deu origem ao "culto do natal" (p.86, 1997).  Muito do seu importante trabalho foi feito durante a guerra civil, quando lhe foi comissionado que fizesse imagens alegóricas sobre a guerra e as suas razões para revistas, com o intuito de apelar à nação e tentar uni-la num mesmo sentimento. Temos aqui o primeiro ponto da cultura industrial, é uma fabricação de uma ideia através de uma imagem, produzida em massa para se tornar, praticamente, imagem de culto pelas massas(o que hoje é mais do que evidente, já que contaminou todo o mundo cristão). 

Nast não cria imediatamente o Pai Natal, mas sim reforça a ideia já instaurada de que o dia de natal é o dia do conforto burguês e união familiar e nacional com imagens de famílias contentes em casas festivas e acolhedoras, às quais depois junta a personagem "Santa Claus", que aparece pela primeira vez enquanto um elfo atarracado e rechonchudo vestido com as cores e símbolos da bandeira americana, Stars and Stripes, a distribuir presentes num campo da Union Army. Esta imagem teve um tremendo sucesso pelo que foi adoptada um pouco por toda a America do Norte. 

O "Santa Claus"  de Nast é inspirado no santo germânico Pelze-Nicol, de Landau, mas este era uma figura escanzelada e austéra que levava doces às crianças que se portavam bem, e carvão às que se portavam mal, tendo um teor moral e julgador muito forte, ao contrário da personagem amigável e anafada com as cores nacionais de Nast, que, no entanto, nunca perde a ideia de "cidadão modelo" no sentido em que é exemplo de trabalho árduo, de solidariedade e generosidade. 

Se o Pai Natal original apelava a um bom comportamento e enfatizava a ideia de trabalho e mérito em troca de uma recompensa, o novo pai natal, e hoje ainda mais fortemente, acentua a ideia de que todos devemos e vamos receber porque sim, porque faz parte da tradição, da cultura. Não terá sido, então, uma jogada de génio de um estado capitalista numa tentativa de impor uma cultura consumista e materialista? É famosa a história (ou mito) de que foi a coca-cola, uma das maiores empresas do mundo, que associou o seu vermelho icónico ao pai Natal. Esta campanha é paradigmática da tentativa (muito bem conseguida) da coca-cola vender um "way-of-life" associado ao seu produto, e não o produto em si, vende, industrialmente, a cultura americana encarnada na coca cola.

 Não há dúvida que o Pai Natal moderno é uma figura de culto industrial que subverte a essência do festejo do nascimento de Jesus Cristo, o humilde filho de Deus que nasce para salvar a humanidade dos seus pecados (dois deles irónicamente a luxúria e a ganância), uma manjedoura sobre palha, e é acolhido por pastores e animais. A imagem do Pai Natal governa esta época e torna-se uma ferramenta para impulsionar o consumo desenfreado "tradicional". Não é por acaso que um estudo feito pela Brand Finance revelou que o Pai Natal enquanto "embaixador" para muitas marcas de retalho e outros sectores vale aproximadamente 1,58 triliões de dólares.

 
Adorno, Th. e Horkheimer, M.(2009) ‘A Indústria Cultural: o iluminismo como mistificação das massas’ In Queiroz, J. P. (Org.) Excertos indexados de ‘A Indústria Cultural,’ de Adorno e Horkheimer [em linha]. Disponível em <http://textos.ueuo.com/adorno_industriaX.pdf>, acedido em 2013\12\29.
 
GOPNIK, Adam "The man who invented Sanat Claus" in The New Yorker, 1997

"Jingle Sells, Jingle Sells - Brand Santa Worth $1.6 Trillion" David Haigh 16.12.2012. Disponível em http://www.brandfinance.com/news/press_releases/jingle-sells-jingle-sells, consultado a 2013\12\29