Muitas vezes chamamos “criança” a
alguém quando faz (pensamos nós) alguma coisa que qualificamos como “irracional”;
no entanto como já defendi no meu trabalho acerca do que é real e do que é
representação, a palavra “criança” em sociedade remete para uma fase do
desenvolvimento do ser humano marcada pela imaturidade, irracionalidade,
brincadeira etc. Mas, se pensarmos bem, a infância é o momento mais racional,
mais produtivo, mais importante e único que temos em toda na nossa vida.
Uma criança não olha, observa;
uma criança não vê o todo, depara-se com o pormenor em que o todo se lhe
manifesta; uma criança não vive rotineiramente, vive verdadeiramente.
E o que é isto de observar e ver
o pormenor? Numa criança é mais do que uma acção, mais do que um estado de
consciência; é uma sensação fundamental que leva a outras sensações
fundamentais como o espanto, seguido da interrogação e por fim do querer saber .
Uma criança tem uma maneira de
olhar que muitos adultos já perderam , uma maneira muito mais intensa de ver as
coisas, coisas essas a que nós já não damos o devido valor, consideramos como
banais; no entanto a criança relembra-nos de que tudo o que faz parte da vida é
realmente importante.
Por exemplo, quando uma criança
se depara pela primeira vez com um insecto como o gafanhoto, para ela não é
tempo perdido olhar para o bicho: primeiro analisa-o minuciosamente, de seguida
pergunta-se não só o que ele é, mas porque é que ele tem aquela forma, ou
porque é que salta daquela maneira, o que come, etc.. A criança tem vontade de
aprender, de conhecer, e não desiste até obter respostas: é persistente.
Para uma criança o tempo não
existe; o que existe é o momento, o momento de observar, de perguntar, de
brincar.
E brincar?! Alguém se lembra como
era brincar? Aprendemos a andar de bicicleta, a nadar, contar, escrever, ler,
trabalhar com máquinas, falar publicamente, etc.. Mesmo que não pratiquemos
durante muito tempo estas actividades conseguimos sempre voltar a fazê-las. Mas
voltar a brincar? Conseguiremos nós voltar a brincar? Brincar é a fase mais
criativa de toda a vida humana. Ninguém ensina a criança a brincar, cada uma o
faz instintivamente e à sua maneira. Um mundo que chamamos mágico, mas que, para
a criança, é o real. Contudo o mundo da criança e o mundo do adulto são o mesmo
– ou o “suporte” é o mesmo. Qual o mais verdadeiramente “real”, autêntico?
E rir? Muitos adultos ao ouvirem
uma criança a rir de coisas que “consideram” não ter graça nenhuma, costumam até
utilizar o provérbio: “Muito riso pouco siso”.
Contudo, acabam por ser menos racionais que a própria criança, pois esta sabe
dar o devido valor ao mundo, acha-o divertido, ri-se dele, dá a devida “cor à
vida”, cor esta que muitos adultos deixaram de ver por darem mais atenção ao
pardacento dos problemas de ordem social, de trabalho, de estudo, etc..
E sonhar? A criança sonha com
beleza, optimismo e imaginação um mundo melhor. O adulto já não sabe o que isto
é: agora pensa, lamenta-se, queixa-se do mundo em que vive …
A verdade é que, à medida que uma
pessoa cresce, deixa de se preocupar com o que realmente é importante, deixa de
observar, de se espantar, de brincar, de rir, de sonhar… pois considera que já
não tem tempo para isso. No mundo do adulto já não existe o lá fora, nem mesmo
o cá dentro: existe a rotina, a programação, as horas, os minutos, os segundos.
Para os adultos o tempo voa, ao
contrário das crianças que voam com ele desfrutando o máximo do que ele lhes
pode oferecer.
A infância é o único momento da
vida em que a vivemos verdadeiramente. Contudo, devemos dar atenção a este
facto: a criança cresce, mas não morre. Existe sempre uma pequenina criança que
vive dentro de nós e que, de vez em quando, se manifesta e nos fala baixinho. E
é por esta razão que devemos, nesse momento, parar de pensar (lamentar,
criticar, renunciar) para assim a podermos escutar porque esta é a verdadeira
voz da razão.
Podemos considerar a vida humana como uma
árvore: as raízes correspondem à infância , que embora esteja debaixo de terra (não
conhece o mundo lá fora) não tem medo de crescer e brotar dando suporte ao
forte tronco da fase adulta. É nesta
fase que teremos de tomar decisões, escolhendo diversos caminhos – estes corresponderão aos ramos.
O que é importante tirar desta
metáfora é o facto de a árvore crescer à procura de luz.
O mesmo deverá a acontecer
connosco: é importante caminhar/crescer sempre em direcção a essa luz – que
é a verdadeira felicidade –, para que, no fim, esta nossa árvore da vida
repouse e floresça.