sábado, 28 de dezembro de 2013

Infância



Muitas vezes chamamos “criança” a alguém quando faz (pensamos nós) alguma coisa que qualificamos como “irracional”; no entanto como já defendi no meu trabalho acerca do que é real e do que é representação, a palavra “criança” em sociedade remete para uma fase do desenvolvimento do ser humano marcada pela imaturidade, irracionalidade, brincadeira etc. Mas, se pensarmos bem, a infância é o momento mais racional, mais produtivo, mais importante e único que temos em toda na nossa vida.
Uma criança não olha, observa; uma criança não vê o todo, depara-se com o pormenor em que o todo se lhe manifesta; uma criança não vive rotineiramente, vive verdadeiramente.
E o que é isto de observar e ver o pormenor? Numa criança é mais do que uma acção, mais do que um estado de consciência; é uma sensação fundamental que leva a outras sensações fundamentais como o espanto, seguido da interrogação e por fim do querer saber .
Uma criança tem uma maneira de olhar que muitos adultos já perderam , uma maneira muito mais intensa de ver as coisas, coisas essas a que nós já não damos o devido valor, consideramos como banais; no entanto a criança relembra-nos de que tudo o que faz parte da vida é realmente importante.
Por exemplo, quando uma criança se depara pela primeira vez com um insecto como o gafanhoto, para ela não é tempo perdido olhar para o bicho: primeiro analisa-o minuciosamente, de seguida pergunta-se não só o que ele é, mas porque é que ele tem aquela forma, ou porque é que salta daquela maneira, o que come, etc.. A criança tem vontade de aprender, de conhecer, e não desiste até obter respostas: é persistente.
Para uma criança o tempo não existe; o que existe é o momento, o momento de observar, de perguntar, de brincar.
E brincar?! Alguém se lembra como era brincar? Aprendemos a andar de bicicleta, a nadar, contar, escrever, ler, trabalhar com máquinas, falar publicamente, etc.. Mesmo que não pratiquemos durante muito tempo estas actividades conseguimos sempre voltar a fazê-las. Mas voltar a brincar? Conseguiremos nós voltar a brincar? Brincar é a fase mais criativa de toda a vida humana. Ninguém ensina a criança a brincar, cada uma o faz instintivamente e à sua maneira. Um mundo que chamamos mágico, mas que, para a criança, é o real. Contudo o mundo da criança e o mundo do adulto são o mesmo – ou o “suporte” é o mesmo. Qual o mais verdadeiramente “real”, autêntico?
E rir? Muitos adultos ao ouvirem uma criança a rir de coisas que “consideram” não ter graça nenhuma, costumam até utilizar o provérbio: “Muito riso pouco siso”. Contudo, acabam por ser menos racionais que a própria criança, pois esta sabe dar o devido valor ao mundo, acha-o divertido, ri-se dele, dá a devida “cor à vida”, cor esta que muitos adultos deixaram de ver por darem mais atenção ao pardacento dos problemas de ordem social, de trabalho, de estudo, etc..
E sonhar? A criança sonha com beleza, optimismo e imaginação um mundo melhor. O adulto já não sabe o que isto é: agora pensa, lamenta-se, queixa-se do mundo em que vive …
A verdade é que, à medida que uma pessoa cresce, deixa de se preocupar com o que realmente é importante, deixa de observar, de se espantar, de brincar, de rir, de sonhar… pois considera que já não tem tempo para isso. No mundo do adulto já não existe o lá fora, nem mesmo o cá dentro: existe a rotina, a programação, as horas, os minutos, os segundos.
Para os adultos o tempo voa, ao contrário das crianças que voam com ele desfrutando o máximo do que ele lhes pode oferecer.
A infância é o único momento da vida em que a vivemos verdadeiramente. Contudo, devemos dar atenção a este facto: a criança cresce, mas não morre. Existe sempre uma pequenina criança que vive dentro de nós e que, de vez em quando, se manifesta e nos fala baixinho. E é por esta razão que devemos, nesse momento, parar de pensar (lamentar, criticar, renunciar) para assim a podermos escutar porque esta é a verdadeira voz da razão.
 Podemos considerar a vida humana como uma árvore: as raízes correspondem à infância , que embora esteja debaixo de terra (não conhece o mundo lá fora) não tem medo de crescer e brotar dando suporte ao forte tronco da fase adulta.  É nesta fase que teremos de tomar decisões, escolhendo diversos caminhos  – estes corresponderão aos ramos.
O que é importante tirar desta metáfora é o facto de a árvore crescer à procura de luz.
O mesmo deverá a acontecer connosco: é importante caminhar/crescer sempre em direcção a essa luz   que é a verdadeira felicidade –, para que, no fim, esta nossa árvore da vida repouse e floresça.