quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Memória Virtual

As condições que a era moderna nos proporciona permite-nos não só virtualizar qualquer tipo de informação mas como também criar uma memória externa paralela à nossa, isto é, ao cérebro. Essa memória virtual e ilimitada constitui uma base de dados extensa e, por vezes, bastante supérflua que nos dá um sentimento de segurança pelo seu suporte. Por consequência, esta vai substituindo a natural aos poucos, enfraquecendo e deturpando-a, começando a interferir no seu conteúdo e na experiência das coisas e eventos que retemos na nossa mente. Essa substituição ocorre em maioria no campo das coisas visuais, por exemplo na pintura, por via da substituição da experiência da observação por uma fotografia que alegamos mais tarde ver em casa (que eventualmente será armazenada e perdida no meio de tanta “memória virtual”). Contudo, parece que a substituição mais ingrata é no campo das coisas audíveis, como na música. É uma questão no qual me deparo quando me encontro, por convite, a fortalecer o naipe de violinos no qual há por vezes alunos novos e são os seus primeiros concertos em público. Independentemente da idade, a reacção dos familiares e amigos é filmar ou fotografa-los para recordar, abdicando da experiência musical ao ponto de nem sequer se lembrarem do que é que o repertório consistia. Percebemos-nos da importância do evento para estes porém, o que há de único nesta forma de expressão nunca lhes chegará e a mensagem, então, será inexistente ou distorcida, prevalecendo o valor da música enquanto uma acção no tempo.
Não se trata da reprodutibilidade da arte no âmbito do texto de Walter Benjamim, mas sim uma espécie de conformismo com essa “meia-experiência” que quase todos temos hoje em dia , interferindo com o desejo de completude e satisfação pessoal que fazem parte do percurso da vida. Porquê captar um momento mais ou menos importante na vida dos nossos filhos se espiritualmente estivemos ausentes e, no fim, acabaremos por estar “vazios”?


Foto por Nick Krug, Ljworld.com