As condições
que a era moderna nos proporciona permite-nos não só virtualizar
qualquer tipo de informação mas como também criar uma memória
externa paralela à nossa, isto é, ao cérebro. Essa memória
virtual e ilimitada constitui uma base de dados extensa e, por vezes,
bastante supérflua que nos dá um sentimento de segurança pelo seu
suporte. Por consequência, esta vai substituindo a natural aos
poucos, enfraquecendo e deturpando-a, começando a interferir no seu
conteúdo e na experiência das coisas e eventos que retemos na nossa
mente. Essa substituição ocorre em maioria no campo das coisas
visuais, por exemplo na pintura, por via da substituição da
experiência da observação por uma fotografia que alegamos mais
tarde ver em casa (que eventualmente será armazenada e perdida no
meio de tanta “memória virtual”). Contudo, parece que a
substituição mais ingrata é no campo das coisas audíveis, como na
música. É uma questão no qual me deparo quando me encontro, por
convite, a fortalecer o naipe de violinos no qual há por vezes
alunos novos e são os seus primeiros concertos em público.
Independentemente da idade, a reacção dos familiares e amigos é
filmar ou fotografa-los para recordar, abdicando da experiência
musical ao ponto de nem sequer se lembrarem do que é que o
repertório consistia. Percebemos-nos da importância do evento para
estes porém, o que há de único nesta forma de expressão nunca
lhes chegará e a mensagem, então, será inexistente ou distorcida,
prevalecendo o valor da música enquanto uma acção no tempo.
Não se trata da
reprodutibilidade da arte no âmbito do texto de Walter Benjamim, mas
sim uma espécie de conformismo com essa “meia-experiência” que
quase todos temos hoje em dia , interferindo com o desejo de
completude e satisfação pessoal que fazem parte do percurso da
vida. Porquê captar um momento mais ou menos importante na vida dos
nossos filhos se espiritualmente estivemos ausentes e, no fim,
acabaremos por estar “vazios”?
Foto por Nick Krug, Ljworld.com |