segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Em si, fora de si

Recentemente vi um filme intitulado “Memento” do ano 2000. A história desenrola-se à volta de uma personagem que sofre de uma doença rara. Esta manifesta-se, entre outros sinais e sintomas, com uma de perda de memória, mas só depois de um acontecimento apocalíptico no seu percurso de vida. Nesse período algo conturbado da sua vida, a vítima sofre um acidente em que lhe ocorre um traumatismo craniano e emocional. A sua vida familiar e afetiva é assim alterada num enredo em que a sua companheira também está envolvida.
Depois desse incidente, todo o seu universo vivencial, experiencial e emocional, surgem como algo que lhe é estranho de alguma forma impessoal. Não tendo qualquer memoria do seu enquadramento familiar e cultural, estes mundos de referencia ficam como que esquecidos. Tudo o que ele conhecia no seu mundo vivencial e de referência é desconhecido para si e sem qualquer memória do seu conhecimento ou interiorização.
          Tudo o que ele fez antes desse acidente, relembra constantemente e tudo o que aconteceu e acontece depois esquece completamente. Resolvi pegar na ideia deste vídeo pois, apesar de ser um bom filme, mexe com um aspeto diferenciado que se enquadra na disciplina: a alienação. Esta apresenta-se como uma renúncia ou transferência para outra parte de algo que pertence ao próprio. De algum modo pode ser um processo de estranheza de si, ou isolamento em que se separa dos contextos sociais.
O final do filme é efectivamente o que mais me impressionou e inquietou, fez com que me questionasse sobre o verdadeiro significado do conhecimento: “Qual será o peso que o verdadeiro conhecimento carrega?”
No fundo, nós tendemos a iludir-nos de que o verdadeiro conhecimento é a salvação, é aquilo que nos dá sentido para a vida, por exemplo: quando somos novos, a pessoas que nos envolvem fazem com que nós nos sentimos especiais, únicos. Quando crescemos reparamos que nós somos banais, com os mesmos direitos e deveres que o outro, mas, na realidade, não sabemos o que esse verdadeiro conhecimento é.
Concluo então, que cada um de nós constrói o nosso próprio conhecimento, isto é, inconscientemente nós criamos uma realidade paralela, fechamos os olhos ao que não queremos e abrimos os olhos ao que nos parece ser uma vida com rumo. O conhecimento pode ser enganoso e engana-nos. Ou seja, nós renunciamos para outra parte aquilo que pertence ao próprio conhecimento. O desconhecido é oposição, anseio, dúvida, mas também faz parte do equilíbrio da procura incessante do conhecimento e da construção do Eu.