O contra-cinema surge em oposição ao cinema clássico, como expressão
de uma vontade de cineastas feministas com Mulvey. Rompe com a narrativa em que
a figura masculina protagoniza e condiciona o papel da mulher, que é
secundarizada e transformada em objecto sexual, para prazer visual, quer da
personagem masculina, quer do espectador masculino. Procura que a figura
feminina abandone esta configuração de objecto sexual passivo, que surge na
narrativa com esse propósito explícito e pretende que a mulher adquira um papel
principal e activo na narrativa, com um uma personalidade própria e
independente de um ser masculino, rompendo com o enredo característico de
Hollywood.
Partindo do lugar-comum do príncipe e princesa
dos contos de fadas, em que a acção se desenrola em função do salvamento da
princesa pelo seu ‘príncipe encantado’, que apesar de não ser personagem
principal, é a personagem que possui a coragem e a determinação, enquanto que a
princesa simboliza a fraqueza e a subjugação ao poder masculino, que permite
que a a história possua um final feliz. A história desenvolve-se em função
deste. O próprio final feliz, remete para o preconceito da sociedade
patriarcal, em que a mulher encontra a sua felicidade e está destinada a
encontrar o seu marido, a casar e a viver com ele ‘para sempre’.
No cinema foi-se verificando um desenvolvimento
na abordagem deste aspecto.
À medida que a mulher foi alcançando uma uma
posição na sociedade cada vez mais equiparada à do homem, a narrativa foi-se
alterando, e a mulher foi conquistando gradualmente um papel mais activo.
Contudo, a narrativa clássica perdura e a mulher continua a aparecer para
prazer visual. Temos por exemplo as conhecidas ‘musas’ de de Woody
Allen, em que estas, para além de existirem para prazer visual do espectador e
do protagonista masculino, são também prazer visual para o cineasta, que cria
em torno dessas mulheres uma aura de veneração.
É através do “contra-cinema” que Mulvey, entre
outras feministas, pretende tornar a mulher um elemento tão activo como o elemento
masculino e explorar novas representações da mulher.
Existem já um conjunto de filmes que expressam
este ideal feminista, como Million Dollar Baby, de Clint Eastwood, em que a
mulher, Maggie Fitzgerald, desempenha um papel à partida desempenhado por um
homem, o de jogadora de boxe, o que dificulta o sucesso da sua carreira, por as
outras personagens não acreditarem no seu futuro sucesso por Maggie ser mulher.
Maggie é o suporte activo da acção e uma mulher corajosa e determinada,
características associadas ao homem no cinema clássico.
Frankie Dunn (Clint Eastwood) é a personagem masculina, que
inicialmente se recusa a treinar Maggie por esta ser uma mulher, mas que,
perante a sua personalidade forte e credível, acaba por se convencer da sua
força de vontade e possibilidade de sucesso.
A actriz Meryl Streep é ela própria uma mulher
de personalidade forte e determinada, o que transparece nos papéis que
desempenha e no sucesso da sua carreira. Em The Iron Lady, representando
Margaret Thatcher, a primeira mulher a conseguir ocupar o cargo de
primeira-ministra britânica. Em Doubt, é a irmã Aloysius
Beauvier, directora de uma escola no Bronx, que perante o
comportamento duvidoso do padre Flynn para com um aluno decide intervir e
expulsá-lo a todo o custo da escola. Em The Devil Wears Prada, desempenha
o papel da directora de uma revista de moda, com uma postura sempre altiva e
liderante, escondendo a tristeza sentida em relação à sua vida familiar e
pessoal.
Todas estas mulheres desempenham um papel activo
na acção, afastando-se da concepção da narrativa clássica de objecto sexual
passivo, o objectivo de Mulvey e das cineastas feministas ao propagar a ideia
de contra-cinema.