segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A mulher no contra-cinema

O contra-cinema surge em oposição ao cinema clássico, como expressão de uma vontade de cineastas feministas com Mulvey. Rompe com a narrativa em que a figura masculina protagoniza e condiciona o papel da mulher, que é secundarizada e transformada em objecto sexual, para prazer visual, quer da personagem masculina, quer do espectador masculino. Procura que a figura feminina abandone esta configuração de objecto sexual passivo, que surge na narrativa com esse propósito explícito e pretende que a mulher adquira um papel principal e activo na narrativa, com um uma personalidade própria e independente de um ser masculino, rompendo com o enredo característico de Hollywood.
Partindo do lugar-comum do príncipe e princesa dos contos de fadas, em que a acção se desenrola em função do salvamento da princesa pelo seu ‘príncipe encantado’, que apesar de não ser personagem principal, é a personagem que possui a coragem e a determinação, enquanto que a princesa simboliza a fraqueza e a subjugação ao poder masculino, que permite que a a história possua um final feliz. A história desenvolve-se em função deste. O próprio final feliz, remete para o preconceito da sociedade patriarcal, em que a mulher encontra a sua felicidade e está destinada a encontrar o seu marido, a casar e a viver com ele ‘para sempre’.
No cinema foi-se verificando um desenvolvimento na abordagem deste aspecto.
À medida que a mulher foi alcançando uma uma posição na sociedade cada vez mais equiparada à do homem, a narrativa foi-se alterando, e a mulher foi conquistando gradualmente um papel mais activo. Contudo, a narrativa clássica perdura e a mulher continua a aparecer para prazer visual. Temos por exemplo as  conhecidas ‘musas’ de de Woody Allen, em que estas, para além de existirem para prazer visual do espectador e do protagonista masculino, são também prazer visual para o cineasta, que cria em torno dessas mulheres uma aura de veneração.
É através do “contra-cinema” que Mulvey, entre outras feministas, pretende tornar a mulher um elemento tão activo como o elemento masculino e explorar novas representações da mulher.
Existem já um conjunto de filmes que expressam este ideal feminista, como Million Dollar Baby, de Clint Eastwood, em que a mulher, Maggie Fitzgerald, desempenha um papel à partida desempenhado por um homem, o de jogadora de boxe, o que dificulta o sucesso da sua carreira, por as outras personagens não acreditarem no seu futuro sucesso por Maggie ser mulher. Maggie é o suporte activo da acção e uma mulher corajosa e determinada, características associadas ao homem no cinema clássico.
Frankie Dunn (Clint Eastwood) é a personagem masculina, que inicialmente se recusa a treinar Maggie por esta ser uma mulher, mas que, perante a sua personalidade forte e credível, acaba por se convencer da sua força de vontade e possibilidade de sucesso.
A actriz Meryl Streep é ela própria uma mulher de personalidade forte e determinada, o que transparece nos papéis que desempenha e no sucesso da sua carreira. Em The Iron Lady, representando Margaret Thatcher, a primeira mulher a conseguir ocupar o cargo de primeira-ministra britânica. Em Doubt, é a irmã Aloysius Beauvierdirectora de uma escola no Bronx, que perante o comportamento duvidoso do padre Flynn para com um aluno decide intervir e expulsá-lo a todo o custo da escola. Em The Devil Wears Prada, desempenha o papel da directora de uma revista de moda, com uma postura sempre altiva e liderante, escondendo a tristeza sentida em relação à sua vida familiar e pessoal.
Todas estas mulheres desempenham um papel activo na acção, afastando-se da concepção da narrativa clássica de objecto sexual passivo, o objectivo de Mulvey e das cineastas feministas ao propagar a ideia de contra-cinema.