Recentemente vi um filme/documentário
intitulado ‘Irão: O Bazar Dos Sexos’, onde é explorado o fenómeno dos
casamentos temporários na sociedade iraniana. Realizado por
uma mulher, Sudabeh Morterzai, este filme mostra a complexa mentalidade
islâmica, neste caso, do Irão, de forma crua e realista.
No decorrer do filme,
vemos um mulá, que realiza os
casamentos temporários, que nos vai ilucidando acerca dos princípios religiosos
e sociais na sua terra-natal, Teerão. O clérigo responde às questões que lhe
colocam com extrema convicção, e realiza frequentemente visitas a outros
clérigos para debaterem as leis religiosas que os unem. “Se uma mulher se casa
e descasa constantemente, então qual é a diferença entre ela e uma prostituta?”,
pergunta um clérigos numa dessas reuniões.
Em Árabe, a palavra
que define casamento temporário é mut’a,
que literalmente, significa ‘prazer’. Em Farsi, a língua persa, é conhecido por
sighe. Estes clérigos
defendem que o homem precisa, de facto, de prazer, mas de forma digna, não
pecaminosa. O casamento requer da parte da mulher um, ainda que temporário,
estatuto de dependência e obediência ao marido, como se o contrato assinado
determinasse a dignidade do acto. Por cada casamento temporário, o homem tem de
pagar uma determinada quantia monetária à sua mulher. A duração do sighe é determinada no contrato, e pode
durar apenas algumas horas ou alguns meses. A escolha é variada, e não há
restrições, à excepção de uma: depois de cada sighe, a mulher tem de esperar dois períodos menstruais antes de
casar de novo.
De forma perplexa,
tento acompanhar a lógica dos argumentos dados pelo mulá. Torna-se difícil.
É clara a forma como a
mulher é vista e tratada aqui, ainda que de forma menos chocante, como, por
exemplo no Afeganistão, onde uma mulher que seja abusada sexualmente é
apedrejada em praça pública. Nesta sociedade iraniana, esse tabu que é a mulher
e o sexo feminino, é atenuado com práticas como a sighe, que aparam as discrepâncias e discordâncias entre a
sociedade e o clero. De forma subtil, o filme capta essa alienação, como por
exemplo, numa cena em que o taxista que transporta o mulá numa viagem de Teerão até Qom insere um CD de música pop, cuja
letra diz “move your hips”. O mulá
se mostra incomodado e pede ao condutor para remover o CD.
No entanto, a cena fulcral, para mim, deste documentário é mostrada já no final, numa conversa entre o mulá e um jovem de 18 anos, autor de um site de encontros online. Os dois debatem assuntos da sexualidade no Irão e na cultura muçulmana, os casamentos temporários, e o jovem refere as razões porque criou o website. Estranhamente, fiquei com a sensação que o jovem teria mais a ensinar ao clérigo, pela abertura com que defendia os seus argumentos. No fim da conversa, o rapaz discorda com os princípios defendidos pelo clérigo, definidos como sendo “a sua cultura”, e afirma que as teorias por si proclamadas “não são cultura, mas sim machismo”.
Fiquei portanto com uma
réstia de esperança para uma sociedade de desigualdades, onde a diferença entre
cultura e machismo começa a ser debatida cada vez mais.