No seu artigo Visual Pleasure and Narrative Cinema, de 1975, Laura Mulvey afirma que o cinema narrativo clássico de Hollywood expõe as desigualdades entre géneros, inegáveis na sociedade patriarcal, assumindo que este cinema foi concretizado a pensar no espectador masculino heterossexual, em detrimento do feminino.
Mulvey critica este cinema porque expõe a mulher como mero objeto erótico para satisfação do olhar masculino. As diferenças entre as personagens femininas e masculinas, revelam esta mesma ideia de que a mulher, no cinema clássico, serviu para ser olhada e exibida. Segundo Mulvey, as personagens femininas e masculinas no cinema narrativo clássico são profundamente distintas. Enquanto as personagens masculinas são ativas e são a chave do desenvolvimento da ação, as personagens femininas são passivas, paralisando o fluxo da acção de forma a originar momentos de contemplação erótica por parte do olhar masculino. Este olhar, ao qual Mulvey designa por male gaze , tanto se refere às personagens masculinas do filme como ao espectador masculino heterossexual.
Pelo contrário, a mulher no cinema, ao revelar-se passiva e utilizada como forma de proporcionar prazer visual ao homem, assume-se como um meio, ela é a representante do desejo masculino.
Os close-ups das estrelas femininas e os números musicais executados pela mulher no cinema são exemplos claros de cenas e situações que permitem que este olhar masculino possa contemplar a beleza e sensualidade da atriz. Como é exemplo a atriz Grace Kelly, que aparece pela primeira vez no filme Rear Window (Alfred Hitchcock, 1954). Esta aparece em close up , aproximando-se de James Stewart e acordando-o com um beijo. Também os números musicais interpretados por Rita Hayworth em Gilda (Charles Vidor, 1946) permitem que a sensualidade da atriz seja contemplada e admirada por este male gaze .
As personagens femininas são quase tratadas como “imagens” que servem para ser admiradas pelos personagens e os espectadores masculinos. Mulvey, no seu artigo aqui estudado, considera que os números musicais executados pelas personagens femininas consistem em exemplos claros de cenas em que o fluxo da ação é interrompido para que o olhar masculino possa contemplar a performance da actriz. Neste sentido, Mulvey considera que, num mundo sexualmente desequilibrado, o prazer de olhar está dividido entre ativo/masculino e passivo/feminino: o homem, sendo o portador do olhar, vê a mulher; e esta, sendo a “imagem” passiva, é vista pelo olhar ativo do homem.
Muitas vezes são feitos inúmeros close-ups ao rosto e busto da actriz Rita Hayworth. O seu voluptuoso corpo também se torna perceptível através dos seus ousados vestidos usados em todas as cenas. É Johnny Farrell, personagem masculina principal interpretada por Glenn Ford, que conduz toda a ação do filme. É ele que narra a história, sendo que o espectador ouve e sabe aquilo em que ele está a pensar. Johnny está sempre a movimentar-se em cena. É ele que persegue Ballin Mundson (personagem encarnada por George Macready), depois de descobrir os seus maléficos planos. É ele também que prende Gilda em casa depois de se casarem. E é ele que lhe dá uma estalada, após esta dançar ousadamente em frente a outros homens, de forma a provocá-lo. Já a personagem feminina do filme revela um papel muito mais passivo: é Gilda quem recebe a estalada e vê toda a sua vida ser conduzida pelas decisões tomadas pelos personagens masculinos. É ela também quem executa duas sensuais danças, congelando, dessa forma, a ação e permitindo ao espectador e a todos os personagens masculinos em volta dela que se deleitem com a sua beleza.
Segundo o olhar de Mulvey, as diferenças existentes entre as personagens femininas e masculinas no cinema narrativo clássico, verificando-se como a mulher funciona como um objeto erótico a ser olhado. Esta ideia da mulher enquanto “imagem” e do homem enquanto portador do olhar aponta claramente para a noção de escopofília, termo utilizado por Sigmund Freud. De facto, Mulvey baseia-se na psicanálise desenvolvida por Freud, para desenvolver e sustentar a sua crítica sobre o cinema narrativo de Hollywood. A escopofilia consiste na prática de obtenção de prazer que um indivíduo tem em olhar e observar alguém. Para Freud, esta é um dos instintos que compõem a sexualidade e consiste em tomar as outras pessoas como objetos, sujeitando-as a um olhar controlador e curioso. Pode dizer-se que a escopofilia pressupõe o desenvolvimento de uma certa identificação com o objeto/pessoa observado. Para Mulvey, a escopofilia é um dos muitos prazeres que o cinema pode proporcionar ao espectador, (sobretudo ao masculino, uma vez que a generalidade dos filmes pertencentes ao cinema clássico foram dirigidos a este). Vemos muitas vezes hoje em dia que os grandes sucessos de bilheteiras de cinema recorrem a mulheres que aparecem de forma apelativa, e são exploradas em função disso. Vemos isso em Portugal na grande maioria de filmes que expõem muitas vezes a mulher como objecto de apreciação e persuasão.
A mulher é muitas vezes, mesmo em filmes de animação, colocada como um astro que roda em orbita à volta do homem, que a salva, que lhe dá vida, que a resgata, que lhe dá um beijo e a ressuscita…A mulher dá nome a grande obras dos clássicos Disney, “A pequena Sereia”, “A Bela adormecida”, “A Cinderela”, mas em todos a acção é determinada pelo homem, e é muito curioso que ainda nos dias de hoje assim seja. A mulher hoje é a grande maioria de licenciados, ocupa inúmeros cargos de poder tanto político como social, e no entanto ainda se encaixa no papel descrito no Segundo Sexo de Simone Beauvoir, como inferior, secundário, obediente, necessitado, até por si própria, especialmente em função da sociedade que continua a tentar limitá-la a esse lugar.
A sociedade educa a criança para se situar num lugar, depender de um homem ou viver em função de um, e deixa que os olhos dos homens sejam aqueles pelos quais se vêem, por isso a imagem das mulheres de Hollywood é criada em função do desejo masculino e exposta também em função do mesmo.