segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A Apollo 8 e o seu contributo visual

No dia 21 de Dezembro de 1968 é lançada a oitava fase do programa Apollo. Embora seja anterior à primeira alunagem e, portanto, à mais celebrada Apollo 11, esta oitava missão do programa espacial norte-americano constitui um marco verdadeiramente épico para a nossa identidade colectiva. A bordo do Command/Service Module -103, Frank F. Bowman, James A. Lovell e William A. Anders tornam-se nos primeiros humanos a ultrapassar a órbita baixa terrestre e a orbitar a Lua. Este feito leva, eventualmente, ao primeiro Homem na Lua, em 1969, porém o seu alcance é muito superior; e é superior, principalmente, nos campos da nossa consciência cósmica e da nossa cultura visual.

A Apollo 8 colocou um conjunto de humanos a distâncias inéditas do seu ponto de origem e é a partir desse exercício de distanciação que, pela primeira vez na nossa existência, um ser da nossa espécie pôde observar directamente toda a Terra no seu campo de visão. Além disso foi possível, também, fotografar o nosso planeta em todo o seu esplendor luminico e cromático, e na totalidade da sua forma, criando assim um testemunho físico que permitiu partilhar a visão dos três astronautas com a restante Humanidade.

Para mim, este é um dos momentos mais fundamentais na História. Por fim vemos — pelos nossos olhos — a totalidade do objecto a que chamámos "Mundo" e assimilamos melhor, assim, conceitos cosmológicos que até aí haviam sido apenas teorizados ou vagamente ilustrados por algumas fotos de menor qualidade. Ali estava a Terra e de facto é esférica, como Aristóteles sugeriu, e tem uma circunferência de aproximadamente 40 mil quilómetros, perto do que Eratóstenes previra. Porém a sua imagem confere à nossa visão do Universo um mais profundo entendimento daquilo que é a verdade das coisas; e é também um entendimento mais democrático e transversal — não constrangido a determinada elite social ou intelectual — pois o portefólio fotográfico da Apollo 8 rapidamente se difundiu e rapidamente criou grandes ícones imagéticos que ainda são formas pictóricas fortes no seio da nossa sociedade global.

Há quem clame que a Apollo 8 salvou o violento ano de 1968, unindo toda a Humanidade, durante uma semana, num objectivo nobre e comum — suprimindo assim o contexto beligerante na qual foi lançada — e que trouxe, do espaço exterior, uma visão clara e real da fragilidade do nosso mundo e da sua incrível finitude. Eu acredito que todos os conflitos brutais de 68' pareceram infundamentados quando todo o mundo se podia ocultar com o simples movimento de um polegar, a bordo da Apollo 8. E acredito, também, que se tornou impossível, a partir daquele momento, ver a Terra como algo indestrutível e perene, algo que podia ser sujeito a todo o tipo de poluição e degradação ambiental sem apresentar danos reais.
 

Portanto, a Apollo 8 mostra-nos a potência de uma imagem. O seu repertório fotográfico veio trazer à cultura visual humana um conjunto de noções cosmológicas fulcrais para a nossa acção no Universo. A afirmação da real natureza da Terra exortou — e exorta — a Humanidade a rever mais aprofundadamente o seu comportamento e a cuidar mais activamente da sua espécie, das espécies contíguas, e de todo o seu planeta; exorta a uma nova era de empatização que parte do conceito de unidade, na qual toda aquela esfera azul e o seu conteúdo são unos.

Este é o contributo visual da Apollo 8.